terça-feira, 15 de maio de 2012

moda - pele - repetição


Produzir, produzir, produzir, até fazer diferente. Manoel de Barros já dizia isso sobre o repetir. Uma ação potente de (re) fazer algo inúmeras vezes. A multiplicidade da ação de fazer de novo ganha corpo quando se assume que se faz de novo, novamente, outra vez, repetidas vezes, inúmeras vezes, ad infinitum... Compreende? São apenas palavras. E se engana quem pensa que falo aqui de sinônimos. Não. Minha reflexão passa pela multiplicação dos signos e engendramento de sentidos. Posso falar da moda. Posso falar da arte, da literatura, da música e do discurso. Discursos inclusive do cotidiano. Quem fala repetidas vezes uma mesma coisa, corre o risco da variedade de ouvidos. Ouvidos duplos de uma mesma pessoa. (Ou)vidos múltiplos de uma mesma pessoa, que por sinal são muitas. Repetidas em um mesmo corpo, entre uma mesma pele porosa, que por vezes rodeiam o próprio rabo. Isso é só um fato. 

Falo da repetição porque vivemos em ciclos. Ciclos cíclicos imperfeitos. Que poderiam até ser quadrados, trapézios, ou forma da nada.  E de tão imperfeitos, esses ciclos-nada carregam em si a maior perfeição que se pode imaginar. Cabem em qualquer lugar. E cabem mesmo. Ao passo que vão além de qualquer espaço, qualquer tempo, ou temporalidade. Quase ocupam um não lugar. Quase ocupam um espaço de tempo que não dá pra cronometrar. Nossos ciclos também são imateriais, incorporais, mas não descolam do corpo e do indivíduo. O não-corpo é imanente ao indivíduo. Ele, somente ele é capaz de produzir esse nada, essa não ocupação que é também ocupação de tudo. Como lidar com o fato de que o corpo é suporte da arte, do comportamento, da manifestação da vida, se o corpo não está lá? Se ele se apresenta negando, mas não como um acorpo, e sim como um não-corpo – logo o corpo está ainda lá.

Estaria esse não-corpo presente debaixo da pele? Debaixo dessa superfície que nos é apresentada como nossa maior proteção, o maior órgão externo, mas que também é poroso, portanto interno? Ou seria esse não-corpo isso que é interno, externo, visível e invisível, para além do indivíduo? Prefiro crer na produção do indivíduo que vai além do corpo, do pensamento e da ação. Por isso inicio o meu chamado convidando a produzir. Entrelaçando essa produção com o repetir. Um convite ao engendramento de sentidos. Fazer denovo, inúmeras vezes como disse, até fazer diferente, encontrar a diferença, formular, elaborar novos modos de vida. Eis a afirmação de ser no mundo. A afirmação de não somente existir pela sobrevivência das ações. Se você me diz que eu faço isso errado, eu acho ótimo. Deve haver mais outras zilhões de formas de fazer diferente. Fazer de Novo, algo novo, por assim dizer. Eu necessito disso para sobreviver nessa minha ação. Não sei, não posso e não consigo parar. Estou à beira de um abismo. De um jardim. De uma praia. De uma avenida. De um canteiro em obras. Corrijo-me. Já não estou mais à beira de nada. Estou no meio, no entre, no vazio, na minha percepção corporal e incorporal. Não há mais tanto sentido em ficar na beirada de nenhum outro corpo. Preciso de cruzamentos, esquinas, pontes, cadeira, tabuleiro, espelho, vidro e maçã. Isso porque a essência dos gregos não cabe mais em mim. Não há conceito que me responda em afectos. Não há elaborações que me façam chegar até a origem que o bigodudo tanto fomentou. Essa origem da percepção do corpo, que atravessa, muda, multiplica, corta, prensa e transforma. Produzir, refletir, transformar. E fazer tudo isso de novo. De um jeito novo.



Um comentário:

  1. Mané, Manel, Manoel, que mora em um sítio em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul (imagina!), diz que fazer arte é carregar água numa peneira, a água sempre escorre pelos buraquinhos. É claro que a peneira se molha e, de fato, um tantinho de água fica na rede, mas o poeta, o artista, sempre tem que voltar para pegar mais, é quase sem finalidade; qual é o ponto?

    É mesmo como ele diz: construir uma casa sobre uma gota de orvalho. Não há como se medir ou apalpar. Mas ainda é só ela, a arte, ou o fazer (por assim dizer) que se encontra fora da rotina, da previsibilidade, é o mundo fora da objetividade. Para mim, é um mundo em si mesmo, um tanto de “sis”, um tanto de mundos, tanto quanto são os efeitos nas pessoas que leem. É o signo esteticamente organizado, é comunicação.

    Agora, esse não-corpo, heim?! Acabou comigo...

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