Produzir, produzir, produzir, até
fazer diferente. Manoel de Barros já dizia isso sobre o repetir. Uma ação
potente de (re) fazer algo inúmeras vezes. A multiplicidade da ação de fazer de
novo ganha corpo quando se assume que se faz de novo, novamente, outra vez,
repetidas vezes, inúmeras vezes, ad infinitum... Compreende? São apenas palavras.
E se engana quem pensa que falo aqui de sinônimos. Não. Minha reflexão passa
pela multiplicação dos signos e engendramento de sentidos. Posso falar da moda.
Posso falar da arte, da literatura, da música e do discurso. Discursos
inclusive do cotidiano. Quem fala repetidas vezes uma mesma coisa, corre o
risco da variedade de ouvidos. Ouvidos duplos de uma mesma pessoa. (Ou)vidos
múltiplos de uma mesma pessoa, que por sinal são muitas. Repetidas em um mesmo
corpo, entre uma mesma pele porosa, que por vezes rodeiam o próprio rabo. Isso
é só um fato.
Falo da repetição porque vivemos
em ciclos. Ciclos cíclicos imperfeitos. Que poderiam até ser quadrados,
trapézios, ou forma da nada. E de tão
imperfeitos, esses ciclos-nada carregam em si a maior perfeição que se pode
imaginar. Cabem em qualquer lugar. E cabem mesmo. Ao passo que vão além de
qualquer espaço, qualquer tempo, ou temporalidade. Quase ocupam um não lugar.
Quase ocupam um espaço de tempo que não dá pra cronometrar. Nossos ciclos
também são imateriais, incorporais, mas não descolam do corpo e do indivíduo. O
não-corpo é imanente ao indivíduo. Ele, somente ele é capaz de produzir esse
nada, essa não ocupação que é também ocupação de tudo. Como lidar com o fato de
que o corpo é suporte da arte, do comportamento, da manifestação da vida, se o
corpo não está lá? Se ele se apresenta negando, mas não como um acorpo, e sim como um não-corpo – logo
o corpo está ainda lá.
Estaria esse não-corpo presente
debaixo da pele? Debaixo dessa superfície que nos é apresentada como nossa
maior proteção, o maior órgão externo, mas que também é poroso, portanto
interno? Ou seria esse não-corpo isso que é interno, externo, visível e
invisível, para além do indivíduo? Prefiro crer na produção do indivíduo que
vai além do corpo, do pensamento e da ação. Por isso inicio o meu chamado
convidando a produzir. Entrelaçando essa produção com o repetir. Um convite ao
engendramento de sentidos. Fazer denovo, inúmeras vezes como disse, até fazer
diferente, encontrar a diferença, formular, elaborar novos modos de vida. Eis a
afirmação de ser no mundo. A afirmação de não somente existir pela
sobrevivência das ações. Se você me diz que eu faço isso errado, eu acho ótimo.
Deve haver mais outras zilhões de formas de fazer diferente. Fazer de Novo,
algo novo, por assim dizer. Eu necessito disso para sobreviver nessa minha
ação. Não sei, não posso e não consigo parar. Estou à beira de um abismo. De um
jardim. De uma praia. De uma avenida. De um canteiro em obras. Corrijo-me. Já
não estou mais à beira de nada. Estou no meio, no entre, no vazio, na minha
percepção corporal e incorporal. Não há mais tanto sentido em ficar na beirada
de nenhum outro corpo. Preciso de cruzamentos, esquinas, pontes, cadeira,
tabuleiro, espelho, vidro e maçã. Isso porque a essência dos gregos não cabe
mais em mim. Não há conceito que me responda em afectos. Não há elaborações que
me façam chegar até a origem que o bigodudo tanto fomentou. Essa origem da
percepção do corpo, que atravessa, muda, multiplica, corta, prensa e
transforma. Produzir, refletir, transformar. E fazer tudo isso de novo. De um
jeito novo.
Mané, Manel, Manoel, que mora em um sítio em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul (imagina!), diz que fazer arte é carregar água numa peneira, a água sempre escorre pelos buraquinhos. É claro que a peneira se molha e, de fato, um tantinho de água fica na rede, mas o poeta, o artista, sempre tem que voltar para pegar mais, é quase sem finalidade; qual é o ponto?
ResponderExcluirÉ mesmo como ele diz: construir uma casa sobre uma gota de orvalho. Não há como se medir ou apalpar. Mas ainda é só ela, a arte, ou o fazer (por assim dizer) que se encontra fora da rotina, da previsibilidade, é o mundo fora da objetividade. Para mim, é um mundo em si mesmo, um tanto de “sis”, um tanto de mundos, tanto quanto são os efeitos nas pessoas que leem. É o signo esteticamente organizado, é comunicação.
Agora, esse não-corpo, heim?! Acabou comigo...