Ronaldo Fraga - verão 2013. Fonte: FFW
Não é tudo que Ronaldo Fraga fala
que eu curto não. Aliás, detesto gente da mídia, cabeças pensantes que soltam
ao ventilador frases e palavras de efeito que assim como poeira, são consumidas
pelos ares. Há poucos meses o estilista declarou o fim da moda. Claro, afinal
tudo tem um fim e desde meados dos anos de 1950 os objetos perderam seu valor
em detrimento da significação. A moda sabia disso, sempre soube. Mas alguns
desavisados da indústria seguem imperando o mercado, construindo objetos, peças
de roupas, vestuários cíclicos e sem imaginação, ou reflexão. Aliás, faria
sentido fazer diferente?
Pode ser que sim, penso eu. A
ferramenta é a mesma: a moda. Mas a roupagem, definitivamente é outra, quando
se pensa os efeitos e afecções que a indumentária proporciona. E sabe, Ronaldo
Fraga parece saber disso bem, apesar de ter que se subordinar a uma indústria,
que sustenta, emprega, custeia, enfim, que faz girar o capital. Declarar o fim
da moda, em meados de 2011 no ápice da crise varejista, no declínio das marcas
nada senso comum, nada comerciais, parece frase solta, jogada sem critério ao
vento e justifica sua ausência no grande circo da moda brasileira. Se o cara “fraga”
mesmo do que se trata fazer moda, dizer moda, usar da moda como ferramenta de
afecção, era preciso retomar o fôlego e voltar a escrever suas histórias enriquecidas
de elementos da cultura tupiniquim, que a meu ver são esquecidos ou tratados
superficialmente pelo time oficial da moda. Leiam-se, marcas que representam a
moda brasileira nas maiores semanas de moda do Brasil.
Pois bem, Ronaldo retoma o
fôlego, volta para a passarela e lá vem ele anunciar sua ideia da vez: “Vão
sobreviver marcas que tiverem alma”. Nesse momento acho fundamental desligar os
ventiladores e tentar capturar do que se tratam essas palavras. Uma primeira ideia
poderia relacionar alma à essência, e nesse caso, seria uma última possibilidade
de suspiro e afirmação da vida buscar o que haveria de mais elementar nas
marcas, sua potência de ação diante da vida. Ao dizermos de potência de ação,
podemos nos remeter à orquestra do corpo, apresentada na fenomenologia de
Merleau Ponty. A potência da ação representa para o filósofo uma espécie de
anunciação do meu corpo no mundo, ou a única forma de eu me reconhecer como
parte desse mundo. Voltando à moda, numa segunda ideia proponho tomar de
assalto a importante frase de efeito nos dada por Ronaldo Fraga e digo: somente
é possível para as marcas da moda, se inserir como parte do mundo, quando as
mesmas tiverem a clara noção de sua potência de ação, daí é possível sobreviver.
Se Merleau Ponty afirma a
motricidade, partindo do corpo, como se daria o esquema corporal da moda? Quais
seriam suas possíveis ações? É sabido que para cada corpo, existe um conjunto
de movimentos. Em cada corpo há um organismo dotado de órgãos, (do tipo
biológico ou políticos) e esses órgãos estabelecem fronteiras e segmentam a
vida mediando ações. Nesse ponto de enrijecimento a moda precisa ser capaz de ir
além dessas linhas duras, delimitada pela crítica medíocre dos periódicos de
moda, pelos próprios ecos do mercado e da indústria e até mesmo pela própria
mídia construída com base num direcionamento de mentalidades. O corpo da moda é
mais que maleável, ele é formado de linhas, que não somente costuram “tecituras”,
mas se emaranham sob os corpos, se cruzam, se conectam, se rompem, se fazem e
desfazem e quando achamos que podemos mapeá-las, essas linhas já tomaram outros
direcionamentos, tal qual os acidentes no solo, as dobraduras das moulages, aquelas posições que chamamos
de acaso, mas como diria Deleuze, somente damos esse nome por não darmos conta
de dizer de outro melhor. É preciso para a sobrevivência da moda, que ela se
movimente para todos os lados, de todas as formas, não formas e velocidades. É
necessário que se tome a alma e o corpo como imanência, ou seja, que não
transcenda essa alma para algo que não seja ação ou experimentação do corpo,
como foi proposto por Spinoza, lá no século XVII.
Seja então após uma tórrida crise
industrial, um abalo criativo, ou adversidades diversas, Ronaldo Fraga consegue
afirmar a vida e convida outros corpos a compartilhar dessa celebração a partir
da matéria da moda e faz jus a proposição da alma como ação, numa coleção
bonita desfilada na passarela. Agora sim podemos voltar a ligar o ventilador e
construirmos nossas próprias sentenças com as palavras que voarão por aí, e
pessoalmente, espero que essas palavras se conectem e fortaleçam o cenário da
moda atual.
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