quarta-feira, 13 de junho de 2012

Ronaldo Fraga e a sobrevivência da Moda

Ronaldo Fraga - verão 2013. Fonte: FFW

 
Não é tudo que Ronaldo Fraga fala que eu curto não. Aliás, detesto gente da mídia, cabeças pensantes que soltam ao ventilador frases e palavras de efeito que assim como poeira, são consumidas pelos ares. Há poucos meses o estilista declarou o fim da moda. Claro, afinal tudo tem um fim e desde meados dos anos de 1950 os objetos perderam seu valor em detrimento da significação. A moda sabia disso, sempre soube. Mas alguns desavisados da indústria seguem imperando o mercado, construindo objetos, peças de roupas, vestuários cíclicos e sem imaginação, ou reflexão. Aliás, faria sentido fazer diferente? 

Pode ser que sim, penso eu. A ferramenta é a mesma: a moda. Mas a roupagem, definitivamente é outra, quando se pensa os efeitos e afecções que a indumentária proporciona. E sabe, Ronaldo Fraga parece saber disso bem, apesar de ter que se subordinar a uma indústria, que sustenta, emprega, custeia, enfim, que faz girar o capital. Declarar o fim da moda, em meados de 2011 no ápice da crise varejista, no declínio das marcas nada senso comum, nada comerciais, parece frase solta, jogada sem critério ao vento e justifica sua ausência no grande circo da moda brasileira. Se o cara “fraga” mesmo do que se trata fazer moda, dizer moda, usar da moda como ferramenta de afecção, era preciso retomar o fôlego e voltar a escrever suas histórias enriquecidas de elementos da cultura tupiniquim, que a meu ver são esquecidos ou tratados superficialmente pelo time oficial da moda. Leiam-se, marcas que representam a moda brasileira nas maiores semanas de moda do Brasil. 

Pois bem, Ronaldo retoma o fôlego, volta para a passarela e lá vem ele anunciar sua ideia da vez: “Vão sobreviver marcas que tiverem alma”. Nesse momento acho fundamental desligar os ventiladores e tentar capturar do que se tratam essas palavras. Uma primeira ideia poderia relacionar alma à essência, e nesse caso, seria uma última possibilidade de suspiro e afirmação da vida buscar o que haveria de mais elementar nas marcas, sua potência de ação diante da vida. Ao dizermos de potência de ação, podemos nos remeter à orquestra do corpo, apresentada na fenomenologia de Merleau Ponty. A potência da ação representa para o filósofo uma espécie de anunciação do meu corpo no mundo, ou a única forma de eu me reconhecer como parte desse mundo. Voltando à moda, numa segunda ideia proponho tomar de assalto a importante frase de efeito nos dada por Ronaldo Fraga e digo: somente é possível para as marcas da moda, se inserir como parte do mundo, quando as mesmas tiverem a clara noção de sua potência de ação, daí é possível sobreviver. 

Se Merleau Ponty afirma a motricidade, partindo do corpo, como se daria o esquema corporal da moda? Quais seriam suas possíveis ações? É sabido que para cada corpo, existe um conjunto de movimentos. Em cada corpo há um organismo dotado de órgãos, (do tipo biológico ou políticos) e esses órgãos estabelecem fronteiras e segmentam a vida mediando ações. Nesse ponto de enrijecimento a moda precisa ser capaz de ir além dessas linhas duras, delimitada pela crítica medíocre dos periódicos de moda, pelos próprios ecos do mercado e da indústria e até mesmo pela própria mídia construída com base num direcionamento de mentalidades. O corpo da moda é mais que maleável, ele é formado de linhas, que não somente costuram “tecituras”, mas se emaranham sob os corpos, se cruzam, se conectam, se rompem, se fazem e desfazem e quando achamos que podemos mapeá-las, essas linhas já tomaram outros direcionamentos, tal qual os acidentes no solo, as dobraduras das moulages, aquelas posições que chamamos de acaso, mas como diria Deleuze, somente damos esse nome por não darmos conta de dizer de outro melhor. É preciso para a sobrevivência da moda, que ela se movimente para todos os lados, de todas as formas, não formas e velocidades. É necessário que se tome a alma e o corpo como imanência, ou seja, que não transcenda essa alma para algo que não seja ação ou experimentação do corpo, como foi proposto por Spinoza, lá no século XVII. 

Seja então após uma tórrida crise industrial, um abalo criativo, ou adversidades diversas, Ronaldo Fraga consegue afirmar a vida e convida outros corpos a compartilhar dessa celebração a partir da matéria da moda e faz jus a proposição da alma como ação, numa coleção bonita desfilada na passarela. Agora sim podemos voltar a ligar o ventilador e construirmos nossas próprias sentenças com as palavras que voarão por aí, e pessoalmente, espero que essas palavras se conectem e fortaleçam o cenário da moda atual.

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